domingo, 11 de outubro de 2009

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A moda dos vampiros chegou à literatura portuguesa. Páginas para ler, com os sentidos alertas, antes do anoitecer.

O conde Drácula há muito que deixou o seu tenebroso castelo, na Transilvânia. O seu exército de servos imortais irrompeu da escuridão, cresceu e povoou as ruas, em plena luz do dia. Eles estão entre nós, à espreita, ávidos de sangue e de novas vítimas. Prepare-se para a dentada letal dos... livros. Os vampiros são a grande tendência deste Outono. Estão na moda, fincaram os dentes na literatura e não têm a intenção de ir embora tão cedo. Se quisermos atribuir responsabilidades a alguém por esta epidemia, Stephenie Meyer será, certamente, o nome inevitável. A tetralogia Luz e Escuridão é um caso de sucesso e ameaça tirar o trono à lucrativa saga de J.K. Rowling. Mas as páginas sobre esta criatura das sombras são já um velho clássico. Existem tantas versões da lenda quanto usos do conceito. Bram Stoker e Anne Rice fizeram nascer Drácula e Lestat de Lioncourt, vampiros que conseguiram levar para o cinema o sangue que primeiro espalharam nas páginas dos livros. Como seria de esperar, a febre dos livros de caninos afiados chegou a Portugal.

Mitos ou realidade?
A Editorial Presença traz para a luz um amante do gótico e do ultraromântico: Rafael Loureiro. Memórias de Um Vampiro é o primeiro volume de uma trilogia. Desengane-se quem pensa que esta é mais uma obra ao estilo vampiro-light, de Meyer. «Não é apenas mais uma história de vampiros, mas uma procura de ideais que se vão perdendo: a honra, a justiça e o amor eterno, que são transversais à vida», reconhece o autor.
A escrita de Rafael foi sempre pincelada pela literatura gótica e pelo cinema noir – Anne Rice, Bram Stoker, Edgar Allan Poe, Soares de Passos são as suas referências literárias, Drácula, de Coppola, e Nosferatu, de Murnau, as cinematográficas. «A minha mãe deixava-me ver filmes de vampiros e lobisomens. Cresci com essa paixão pelo terror, até mais tarde descobrir o seu lado romântico». Rafael Loureiro renasceu, envergou vestes negras e passou a coexistir com Daimon DelMoona, seu alter-ego. «Todos temos os nossos segredos, as nossas paixões e esta personagem alude à nossa faceta que vive na sombra». As primeiras linhas de Memórias de Um Vampiro surgiram em meados de 2000. As últimas dali a quatro anos.
DelMoona prova que os vampiros também sofrem e se debatem com problemas morais. O protagonista da saga é tomado pelo desespero, após a morte prematura da noiva. Até que uma criatura da noite lhe concede a possibilidade de renascer como imortal. Memórias de um Vampiro conduz o leitor numa viagem de intriga, aventura e romance com início no século XVII e desfecho no novo milénio. Pelos olhos de DelMoona, ficamos a conhecer várias descendências de vampiros e uma hierarquia rígida, que se articula nas sombras das sociedades quotidianas. Começa, assim, uma odisseia que atravessa os séculos e que culmina num confronto com um vampiro sedento de poder. Pelo meio, o vampiro volta a descobrir o amor. Para sempre?
O vampiro – que já tem uma legião de fãs, identificada com o universo gótico na Internet – voou, qual morcego, para o formato livro, no dia 15 de Setembro. Circulara antes em duas edições de autor, de mão em mão. Não satisfeito com apenas um volume, Rafael Loureiro trabalhou nas sequelas da trilogia Nocturnus: Ascensão de Arcana e A Redenção. «O objectivo deste universo vampírico é poder dar ao leitor uma noção de fantástico, mas de um fantástico que pode ser real», explica. E acrescenta: «Existe uma personagem fantástica dentro de cada um de nós. Algumas pessoas levam mais tempo a encontrá-la do que outras».

Vampiro: o Mascarado
O sangue não pára de escorrer. A 29 de Outubro, a Porto Editora lança Contos de Vampiros. Depois de ter organizado uma colectânea de histórias policiais, o poeta e professor de escrita criativa Pedro Sena-Lino vira-se agora para a literatura vampiresca. A antologia reúne nove textos da autoria de José Eduardo Agualusa, Miguel Esteves Cardoso, Rui Zink, Ana Paula Tavares, Hélia Correia, João Tordo, Gonçalo M. Tavares, Jorge Reis-Sá e Susana Cabaço.
São várias as geografias, cronologias e visões que se jogam neste volume. «Há uma grande diversidade na representação da figura do vampiro», esclarece Pedro Sena-Lino. Um dos narradores improváveis é Rui Zink que, em O Monstro, reflecte sobre o bem e o mal, os homens e as mulheres, a batalha entre humanos e vampiros.
Explorar o capital simbólico do vampiro foi o motivo que levou a editora a trazer para a literatura nacional um registo de ficção pouco trabalhado em Portugal. «Um vampiro é um puzzle de muitos sangues e desfila num interminável baile de máscaras», desvela o coordenador.
Mesmo que persista o medo de perder a identidade para esta criatura que vagueia na noite, à procura da próxima vítima, ela continuará a fascinar gerações. «Ainda que regressem aos caloboços da literatura por algumas décadas», remata Sena-Lino, «deixarão um enorme rasto entre os leitores». Os vampiros vieram para ficar.

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